Quem tem medo da política?



Palavras de ordem, discursos. Mais do que com acções, é comum dizer-se que a política se faz com palavras.

Durante a greve nas minas de cobre de 1966, gerida pela oposição ao governo de Salvador Allende e pelo poder não declarado da CIA em território chileno, a frase «Política, não!» foi exclamada em uníssono pelos mineiros. Estas palavras marcam ainda o momento que o realizador Patricio Guzmán encontrou para assinalar a passagem entre os anos de governação de Allende e o Golpe de Estado de 11 de Setembro de 1973, no filme Batalha do Chile. À luz do nosso conhecimento dos acontecimentos históricos, o que os mineiros pareciam dizer é: «Democracia, não!». Não tardará a dar-se o golpe de estado que levará à ditadura de Pinochet.

Ainda as palavras. Diz-nos Berthold Brecht mais de uma década antes da greve dos mineiros: «O pior analfabeto é o analfabeto político». Em «A política explicada aos idiotas», Daniel Innerarity (2015) remete a génese da palavra «idiota» para a Grécia clássica, definindo-o como aquele que não participava nos assuntos públicos e preferia dedicar-se a interesses privados. E define três tipos de idiotas políticos: os que têm interesse em destruir a nossa crença na política (poderosos agentes económicos, certos meios de comunicação, mas também alguns políticos); os que têm uma atitude indiferente para com a política (a «pessoa que deseja que o deixem em paz e que não o obriguem a preocupar-se com a política» e que «acaba por ser o aliado inconsciente daqueles que consideram que a política é um obstáculo espinhoso para as suas sacrossantas intenções de não deixar nada nem ninguém em paz» (Crick apud Innerarity 2015)); e, por último, aqueles «que se interessam por política, mas que o fazem dentro de uma lógica que não é a de cidadãos responsáveis, mas, sobretudo, a de observadores externos ou clientes enfurecidos», acabando «por destruir as condições que tornam possível o desenvolvimento de uma vida verdadeiramente política» (Innerarity 2015). Este último «idiota político», aquele que uma ou outra vez fomos ou somos, cresceu exponencialmente entre os tempos de indignação que vivemos.

«Abaixo a política! Antes a poesia que é coisa mais séria.» Esta terceira rejeição à política pode ser lida no poema «Amigos pensados: vate 65» de Alexandre O’Neill, publicado em Feira Cabisbaixa (1965). A capa da 2.ª edição (1979), desenhada por Espiga Pinto, é composta pelo título e contorno do mapa de Portugal na horizontal, em queda (ou ascensão, dependerá do pendor optimista ou pessimista do leitor). O poema faz-nos enfrentar o maior dos desafios – entender a política como oposta à poesia. Se a isto adicionarmos a palavra «design», o exercício cresce em dificuldade, exponencialmente.

INNERARITY, Daniel (2015). A política em tempos de indignação. Lisboa: D. Quixote. O’NEILL, Alexandre (1965). «Amigos pensados: vate 65». Feira Cabisbaixa. Lisboa: ed. Sá da Costa, 1979.

Texto. Publicado em E se a política acabasse amanhã: design e a construção de um futuro colectivo, pp. 16-23, Faculdade de Belas-Artes da ULisboa, 2016. Ler