“O homem que esteve quase perdido nas notas de rodapé, mas foi resgatado a tempo de ser incluído na bibliografia.”


Edição Revista e Aumentada (ERA) parte da apropriação do jargão da edição tradicional e coloca-se como hipótese à compreensão das práticas editoriais contemporâneas que entendem a publicação, em todas as suas fases, como um espaço de escrita, como processo que nunca se demite da criatividade e da crítica. Este texto transcreve as unidades tópicas que constroem a sua declaração de intenções.

a) Edição Revista e Aumentada (ERA) expande, não porque aumenta, mas acima de tudo porque abre um espaço «entre».


b) Não segue os caminhos da especialização. Amadora, recolhe a ciência dos outros, para formar a sua não-ciência.
É uma variante não-científica da topologia, ciência que trata das superfícies elásticas, dos objectos pelas relações que têm entre si, independentemente das suas dimensões; também conhecida pela ciência que «colhe para além do lugar». Para a topologia, geometria sem escala, um cubo é igual a uma esfera e ambos são diferentes de uma chávena. Para a edição-topológica um texto é igual a uma imagem, mas ambos são diferentes de um cachecol (agasalham, mas não da mesma forma).
Podemos dizer que adopta (outra) geometria da edição: prefere os discursos paralelos ou equidistantes; contudo, admite a edição como prova dos teoremas não-euclidianos que nos dizem que duas rectas paralelas se encontram no infinito.
Adere à topografia, a arte de representar no papel a configuração de um terreno com todos os acidentes que este tem à superfície. O seu «texto», fragmentado em unidades tópicas é permeável aos incidentes que o espaço da página, enquanto unidade topográfica, lhe sugere.
De tempos em tempos prefere a arqueologia: da hard-drive, da biblioteca, das memórias, do que se vai ouvindo quando o outro fala, para onde se vai quando o outro fala, de palavras-chave em Excel e dos infindáveis copy-paste, dos livros que chegam pelo correio, de olhares oblíquos, vagabundos pela geografia da cidade e da página.
Do que se recorda dos estudos da flora, resgata a enxertia; da composição sonora, o sampling, a remistura. Do cinema, adopta a «montagem de atracções» ou a «montagem como conflito» de Eisenstein e acredita no «Efeito Kulechov» quando levado às últimas consequências (tem uma preferência por «ficar a leste», portanto). Na sua duvidosa cientificidade segue a «hypotheses non fingo» de Newton, a suposição científica como um «fazer ficção».

(...)

e) ERA é determinada mas não determinista. Tem por missão transportar a edição para uma «terra de ninguém». O trilho de página a página descobre a potência da anti-sequência, gerida pela improvisação, justaposição, indução. Estimula a guerrilha entre pensamento contínuo e pensamento aforístico. Proclama a associação livre de ideias que permite que a narrativa editorial «dispare» para momentos inesperados. «Uma ‘tendência para uma forma’ deu lugar a outra»

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g) Não é eficiente nem é funcional. Prefere a procrastinação: o processo editorial aprendeu a lidar com a culpa de uma procura infindável, que não sabe para onde se dirige e que apenas parece evitar que se comece finalmente a editar, a definir a grelha, a tipografia, a paginação, a revisão (e todas as acções que antecedem ou seguem estas). É um elogio ao desnecessário.


h) Faz do mote de Paul Valéry a sua metodologia: «Atento aos acasos entre os quais haverá de escolher o seu alimento». Não gosta dos trilhos únicos e rapidamente junta a esta, uma outra máxima: «O poético significa a colecta» (Heiner Müller).

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j) ERA leu que a arte da edição passa por constituir e manter uma ordem; deduz: pode construir-se uma ordem que desoriente as convenções da edição.

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n) Estimula os braços de ferro. Admira as notas de rodapé que afrontam o texto principal ou as imagens que exigem a releitura do texto, que corrompem a sua primazia.

o) Faz uso da natural migração das ideias. Reconhece a mistura improvável como a mistura explosiva. Entende a publicação como um conglomerado que situa a produção artística, não pelo desenho da sua biografia ou zona de influência(s), mas por uma fictícia genealogia das ideias. Entende a edição como espaço de afecto ou de encontro, de diálogos geograficamente ou historicamente impossíveis, de autores que não se conhecem, que se contestam, que não falam a mesma língua.

Em suma, Edição Revista e Aumentada agarra em tudo o que lhe permita deslocar os conteúdos da sua origem. Encontra para estes, novos territórios, aliciando-os a um estado nómada, dotando-os de novos argumentos para a sua disseminação e da possibilidade de prescindirmos de um «sentido único» para o texto ou para a obra.


Texto/ensaio verbal-visual. 1.ª edição: Laboratório de Curadoria, publicação editada por Gabriela Vaz-Pinheiro e Lígia Afonso. No âmbito de Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012 (versão PT + ING).
2.ª edição: Wrong Wrong Magazine #2, publicação online editada por Terceiro Direito (coord. Sandra Vieira Jürgens), 2015.


(versão portuguesa/Wrong Wrong
Preâmbulo. “O homem que esteve quase perdido nas notas de rodapé, mas foi resgatado a tempo de ser incluído na bibliografia.”


(English version/Wrong Wrong)
Preamble: “The man who was almost lost in the footnotes but was rescued in time to be included in the bibliography.”