Da realidade ao design e assim sucessivamente + Ficção, um Modo de Usar.



DA REALIDADE AO DESIGN E ASSIM SUCESSIVAMENTE
Sabemos que os media não nos apresentam a realidade, mas uma mediação da realidade, uma construção. Contudo, hoje, a realidade parece viver-se online («Estou online, logo existo»). Estar «ligado» parece ser a nova força vital da vida social. Quem vive offline é o novo eremita contemporâneo. Como um dos maiores paradoxos do presente, se o mundo se define online e se apresenta disponível em tempo real à distância de um click ou à mercê dos movimentos delicados da nossa ponta dos dedos, a realidade é hoje cada vez mais difícil de apreender. A realidade é instantânea, tanto no sentido da sua velocidade, volatilidade, efemeridade, como do seu «consumo». Podemos dizer que sempre foi assim, mas só porque tendemos a confundir realidade com presente. A compressão, desvirtuação, adulteração, simplificação, banalização da realidade não são apenas assuntos que decorrem da sua condição temporal. Posts, feeds e tweets, entre memes, LOL e lulz, transportam a realidade para camadas submersas. Com o poder e presença inegáveis dos media sociais no nosso quotidiano, como resistir à conversão imediata da realidade em mera história ou anedota? Estará a realidade condenada a transformar-se num Reality Show onde só resiste aquilo que é mediático?


FICÇÃO, UM MODO DE USAR.
Perante práticas históricas ou legitimadas – como a literatura e o cinema – o design reclama agora o seu lugar na ficção. Associar design a ficção implica, frequentemente, considerar um conjunto de novos (e temporários) postulados: design crítico, design especulativo, design fiction, entre outros. Mas mais do que circunscrever a relação design/ficção a proposições específicas ou tendências, esta associação implica que consideremos a criatividade e a imaginação como valores capitais do projecto. Design e ficção partilham ainda o mesmo princípio estrutural – criar e comunicar cenários alternativos à realidade, ou por outras palavras, antecipar o que poderá vir a ser real. Ou seja, se por um lado, reconhecemos a zona de contacto à ficção como sendo especial no contexto da generalidade da prática do design, por outro lado, podemos afirmar que o exercício «como se…» (ou ainda a sua variação «e se…») é omnipresente à conceptualização de qualquer projecto. O projecto, orienta-se sempre para o futuro, constrói narrativas não necessariamente fazendo previsões (futurologia, ficção científica), mas problematizando a actual ordem das coisas. Qualquer projecto é então, na sua génese, uma ficção; enquanto conceptualização, ainda não existe, prepara-se (metodicamente) para existir.
Textos. Publicados em It takes several minutes for the eyes to adjust to the dark: realidade e design e ficção, Faculdade de Belas-Artes da ULisboa, 2019.

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